terça-feira, 29 de abril de 2014

O triunfo do ódio...

Eu sou quase como a Copa do Mundo, só me faço acontecer a cada quatro anos. E esta sazonalidade toda cobra um preço. A memória, a confiança, o ânimo e a habilidade, mesmo que suposta, de escrever. Pra ser sincero perdi a mão, mas gostaria de resgatar e aprimorar este pequeno prazer que é escrever. Nada como as observações do cotidiano para me motivar a tecer alguns comentários.

E é justamente a Copa do Mundo que me escancarou algumas possibilidades. 

Não vou falar sobre futebol. O desinteresse por este esporte é cada vez mais latente e isto não merece nota. Mas algumas coisas que foram desencadeadas por este evento me saltaram à vista e são o mote deste título, que, acreditem, se tornará bem ilustrativo. 

As coisas me ficaram muito claras na metade de 2013 quando houveram as manifestações de rua por conta do aumento das tarifas de ônibus nas principais capitais e que, de certa maneira, escancarou toda uma fragilidade do consciente coletivo. Lembro que fiquei um pouco reticente de participar daqueles protestos, sobretudo pela violência policial que se deu nos primeiros 'atos'. Mas mesmo assim fui a um deles. Não minto, não gritei palavras de ordem, não pichei muros, não depredei agências bancárias, não fiz nada, fui apenas como mero observador.

Confesso que fiquei emocionado com tamanha adesão, principalmente dos jovens como eu, que tomaram a Av. Paulista naquelas noites friorentas de inverno. Era realmente magnífico ver aquela multidão ensandecida. Por um momento acreditei que aquilo seria o início de muita coisa. Me enganei... 

Lembro que neste dia pude presenciar também a completa falta de sincronia das reclamações. Entendo, por um lado, que o aumento das passagens apenas fez eclodir todas as insatisfações populares, da corrupção aos problemas mais estruturais, embora uma coisa esteja ligada à outra. Mas este foi o problema. Não vou discorrer sobre a falta de planejamento do movimento ou da distorção das diretrizes, afinal a espontaneidade é bela, mas foi desmedida.

Mas neste contexto surgiu uma rixa bastante emblemática: "Vai ter Copa" e "Não vai ter Copa". 

A situação deflagrou, ou ao menos evidenciou, uma dicotomia social. Sinceramente não havia presenciado nestes meus poucos anos de vida tamanha divisão ideológica. De repente todos são contra algo ou a favor de algo. Notem que me referi ao 'ser', como se 'fossem' aquilo que acreditam. Sobre todo e qualquer assunto, do mais banal ao mais essencial. Ficou impossível participar de uma discussão um pouco mais complexa sobre este ou qualquer outro tema sem que um 'reaça' ou 'comuna' não fosse proferido contra alguém. De modo que as ideias não florearam mais, afinal só existem duas posições a serem tomadas. 

A questão da Copa só traduziu um estereotipo que a própria sociedade criou: de que devemos ter uma causa. Mas em nenhum momento se questionou sobre a qualidade do conteúdo com que preenchíamos o indivíduo. Não houve, portanto, a discussão em cima de qualquer tema, só era necessário que escolhêssemos um lado e fôssemos à luta!

A ironia é que o indivíduo virou um combatente sem causa, que explode contra tudo e todos. Nem tanto nas ruas, mas principalmente na internet. Ele não sabe mais do que ele é a favor ou contra. E claro, ele está sozinho, já não há unidade, nunca houve. Mas o ódio e a raiva estão lá. E como ele, existem inúmeros. Às vezes juntos, mas sempre sozinhos. Todos tem tanto em comum e nada ao mesmo tempo.

E com isso foram erguidas paredes sociais, um legítimo embate entre classes e etnias. Predomina a disputa entre ideologia política, religiosidade, cultura, sexualidade... E não existe mais dialogo, não há a menor tentativa de se compreender o outro lado, não há vontade de integração. Segregação é a nova velha ordem. 

Talvez nunca tenhamos sido diferentes disso, e a facilidade com que, atualmente, alcançamos a informação reforça este nosso estado. Mesmo que o mote da tecnologia seja justamente para nos 'desalienar'. A noção de coexistir é um mero devaneio. Somos inimigos dos nossos opositores e não rivais. Não perca tempo discutindo. Não reflita, teime. A luz da descoberta é apenas uma malfadada invenção para ofuscar nossa tenra e nobre ignorância.   

Lembro de uma frase que um amigo dizia (não sei se em tom de brincadeira ou sei lá o quê): "Mate o seu vizinho antes que ele o faça."


Um comentário:

  1. Fico sempre muito feliz de ler um texto seu, pois as suas observações e conclusões são sempre oportunas e você realmente tem o dom de esclarecê-las e apresentá-las muito bem quando escreve.

    Não há o que discutir. Divido da mesma opinião e dos mesmos medos. Palavras de ordem são ditas sem nenhum fundamento, nenhuma argumentação fundada em um exercício válido de reflexão.

    Tempos de Internet, onde hoje o slogan é "não mereço ser estuprada", mas amanhã é trocado por "somos todos macacos". Fotos são postadas com centenas de #, mas nada é realmente discutido, é tudo muito superficial.

    Enfim, eu mesma não quero entrar muito no assunto, pois seu texto me representa! Obrigada por organizar tudo aquilo que penso. Continue observando, por favor!

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